
Revista Eletrônica - Letras Lusitanas
SIMPLICIDADE DO HOMEM DO CAMPO EM OPOSIÇÃO À COMPLEXIDADE DA VIDA CIVILIZADA DA CIDADE
27/11/2014 09:41Ao ler o livro Os Simples de Guerra Junqueiro, o leitor depara-se coma a pureza da gente simples do homem do campo numa exaltação da vida, valorizando aquilo que é essencial para viver. Condenando a forma de vida civilizada da cidade, aquela que o homem está somente preocupado em ter as coisas, seguindo as regras da sociedade para poder ser aceito com tal. Nessa ótica, o campo torna-se libertador dessa vida medíocre da cidade, no sentido de aprofundar o interior daquilo que é o homem, dando valor as pequenas coisas, que para ser feliz o homem não precisa de muito, e sim do essencial para sua sobrevivência.
Guerra Junqueiro retrata a Simplicidade, apresentando em sua obra, personagens simples, aqueles que sempre estiveram contato com a vida simples do campo, como “A Moleirinha", "O Pastor (o grandioso e asceta)", "O Cavador (trágico)", "Os Pobrezinhos" ( a existência de sacrifício e pureza), tipos populares de boas e “santas criaturas”, que “atravessam um mundo de misérias e de injustiças”, “sem um olhar de maldição para a natureza”, “sem uma palavra de queixume para o destino”. Segundo Leonardo Coimbra, "Os Simples é um livro eterno, não é melhor, nem pior que os outros livros de eternidade. É a palavra humana, saindo de um coração que contactou com Deus”. (JUNQUEIRO, pág. 124)
Neste sentido, este trabalho busca refletir sobre a simplicidade do homem do campo em oposição à complexidade da vida civilizada da cidade visto na obra. Além de enfocar no homem do final século XIX. Nessa perspectiva, espera-se contribuir com a sociedade, fazendo com que o leitor torne-se um individuo mais esclarecido, com uma visão de mundo mais ampla, de modo a participar e contribuir com a sociedade em todas as suas esferas.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O CONTEXTO EM ANÁLISE
Em meados do século XIX, a Europa, sobretudo, Portugal encontra-se política, social e economicamente num estado caótico. Muito políticos fraudulentos e corruptos contribuíram para que Portugal chegasse a essa situação, mais absorvidos por mesquinhos interesses pessoais do que pelo efetivo desenvolvimento do país. Deste panorama resulta o predomínio da mentalidade rural sobre a urbana e o subdesenvolvimento da indústria moderna, estando à concorrência estrangeira a derrubar a débil indústria portuguesa.
Nos campos, a situação é de grande penúria, motivando um enorme fluxo de emigração, sobretudo para terras brasileiras, em busca de melhores condições de vida. Nesse período há de se considerar um elevado fluxo migratório para essas cidades consideradas como o berço da modernidade, com intuito em vislumbrar melhores condições vida às que estavam habituados a ter, porém com toda essa modernidade exigiria dos mesmos uma melhor qualificação para estarem atuando nesse setor de trabalho.
Além disso, com aumento de fluxo de pessoas na cidade, a vida urbana foi tornando- se um caos, com muita violência, desemprego. As pessoas começaram valorizar mais o materialismo, deixando de lado a vida simples, aquela vida mais autêntica e menos consumista campestre. De acordo com Natário (2008), “com a evolução e transformação do ser humano e das realidades que a todos os níveis o envolvem, surgem então movimentos que protestavam contra o que na política, filosofia e religião era inerente, isto é, não permitindo a criação e a evolução das coisas”.
2.2 A SIMPLICIDADE EM ANÁLISE
A ideia de simplicidade de um homem remete-se logo ao conceito de pobreza. Porém ser simples não significa necessariamente ser pobre. Mas há outro significado, no sentido que ser simples é ter uma vida pura, autentica. Neste sentido a bondade é sentimento muito valorizado por quem é simples. Reis (1982, p. 43) diz que a Bondade é um atributo extensivo a duas espécies de seres humanos: “aqueles que vivem em estreita comunhão com a natureza, pastores, agricultores e moleiros, porque são imbuídas numa espécie de pureza original”.
Desse modo, a simplicidade está no modo de vida do ser humano, na maneira de ver as coisas, de ter as coisas, no sentido de possuir somente o que é essencial para sua sobrevivência, ou seja ser simples seria ser puro de coração. Nesta ótica Rousseau sustenta que:
Os sentimentos básicos anteriores a razão são: o amor de si e a piedade. O amor de si é o sentimento de autoconservação. Esse sentimento é o que leva o homem a agir em direção àquilo que lhe parece melhor para garantir sua sobrevivência, sempre buscando conservar a sua vida. (ROUSSEAU, 2009)
Ao analisar a simplicidade como princípio de bondade, esta é a capacidade que cada indivíduo tem de identificar-se com o outro, no sentido de ter compaixão, de se solidarizar, ou seja, a simplicidade pode ser também um principio de piedade. De acordo com Rousseau (2009) “a piedade pode ser vista até mesmo nos animais. Essa piedade busca impedir o homem de provocar sofrimento a outro indivíduo.”
Dessa forma pode-se considerar que simplicidade algo que está inerente ao ser humano homem de modo que se deve superar a representação que é imposta pela sociedade, e torná-lo mais compreensivo, bondoso e não pensar somente em si, mas pensar, sobretudo, no coletivo.
3. GUERRA JUNQUEIRO E SUA OBRA OS SIMPLES
Os Simples é um livro de poesia lírica, publicado em 1892, no qual Guerra Junqueiro, retrata "uma idealização da vida rural por meio de uma simplicidade humana e condena a complicação e dureza da vida civilizada da cidade. É uma obra cujo autor atribui a sua gestação a "um período agudo" da sua existência, durante o qual, depois de ter antevisto a morte, depois de tanto estudar, questionar a razão e ouvi a sua consciência, meditou e conseguiu alcançar "uma ideia metódica e definitiva do universo". De acordo com Castro, (2012), Guerra Junqueiro foi:
Poeta e político português, nascido em 1850, em Freixo de Espada à Cinta (Trás-os-Montes), e falecido em 1923, em Lisboa, Guerra Junqueiro é entre nós o mais vivo representante de um romantismo social panfletário, influenciado por Vítor Hugo e Voltaire. Oriundo de uma família de lavradores abastados, tradicionalista e clerical, é destinado à vida eclesiástica, chegando a freqüentar o curso de Teologia entre 1866 e 1868. Licenciou-se em Direito em Coimbra, em 1873, durante um período que coincidiu com o movimento de agitação ideológica em que eclodiu a Questão Coimbrã. Nessa cidade convive de perto com o poeta João Penha, em cuja revista literária, A Folha, faz a sua estréia literária. Durante a sua vida, combina as carreiras administrativa (exercendo a função de secretário dos governos civis de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo) e política. (CASTRO, 2012).
A sua obra, O Simples é repleto de quadros rústicos e de tipos populares de boas e “santas criaturas, que atravessam um mundo de misérias e de injustiças, sem um olhar de maldição para a natureza, sem uma palavra de queixume para o destino”. Guerra Junqueira lança a mão de pessoas simples da sociedade, para criar seus personagens como: A Moleirinha, O Pastor, O Cavador, Os Pobrezinhos, pessoas que vivem num mundo fundamentalmente contrário ao das personagens da poesia realista, os simples, os humildes, os camponeses, os contemplativos, os sonhadores e os puros.
“A moleirinha”, uma velhinha apesar dos oitenta anos era sorridente, “O cavador trágico”, este trabalhava a qualquer hora de dia ou à noite, “O Pastor”, homem de noventa e nove anos, quando faltava um dia para completar cem, ele vai óbito, mas dos sete já era pastor, “Os Pobrezinhos” são apresentado na obra como aldeões da terra misericordiosa, depois uma existência de sacrifício e de pureza.
4. A SIMPLICIDADE DO HOMEM DO CAMPO EM OPOSIÇÃO À COMPLEXIDADE DA VIDA CIVILIZADA DA CIDADE VISTO NA OBRA
A Simplicidade do Homem do Campo apresentada nesta obra, é uma simplicidade a qual ele busca ter uma vida tranqüila, autêntica, em relação à vida civilizada na cidade. Quando o autor nos faz refleti sobre processo civilizatório que acontecia no final do século de XIX, no qual as pessoas estavam cada vez mais dependentes, ou seja, as pessoas sentem necessidade de consumir coisa e ter coisas.
As personagens apresentadas na obra são guiadas pelo modo de vida do homem do campo da época, sem preocupações, sem interesse pelo bem material, e sim encontrar na natureza aquilo que essencial para sua sobrevivência. Como se pode perceber tal característica na segunda estrofe do Poema O Pastor:
Zagalzinho Alegre, desde tenra infância
Já de surrãozito cheio a tiracol
A escalar montanhas com ardor, com ânsia,
Por pastagens bravas d’auroral fragrância,
Branqueadinho a neve e doiradinho a Sol!... (JUNQUEIRO, pág.80)
Nessa estrofe é possível perceber o modo de vida simples do Pastor, o qual era feliz com aquilo que a natureza poderia oferecer a ele. Neste sentido, Starobinsk (2011), diz que “o homem não tem necessidade de transformar o mundo para satisfazer suas necessidades”. Além disso, Junqueiro apresenta a simplicidade através das personagens que vivem a uma situação de dureza no campo como cavador, por exemplo, vivia em situação de dureza, e na hora de sua morte pedia paz de Deus com ele, diz nesse trecho: “Bateu a Morte ao seu postigo... Que a paz de Deus esteja comigo...” (JUNQUEIRO, pág. 91).
Assim como pode-se observar no poema Os pobrezinhos, camponeses que vivem do trabalho árduo da lavoura, onde ele tem de plantar, colher e depois transformar em alimento, é um processo que leva tempo, uma vez que não tem tecnologia, mas aos olhos de quem é autêntico, a vida não é tão dura assim. Como pode-se perceber nesse trecho: “Campos e vinhas!... hortas com flores!... Ai, que ditosos os lavradores!” (JUNQUEIRO, pág. 103).
Por outro lado, Junqueiro critica de certa forma, a sociedade civilizada quando as pessoas estão cada vez presas as regras impostas pelo capitalismo. Onde o homem da cidade vive de representações sociais, quando uma profissão, uma vestimenta a ser critério de conceito do que é ser. Quando as pessoas não preocupam mais com as outras e sim com elas mesmas. Desse modo, na vida civilizada da cidade, as coisas vão perdendo seus valores qualitativos e só prevalecem os quantitativos. De acordo com Simmel (1976, p.16), “o dinheiro torna-se o mais assustador dos niveladores. Pois expressa as diferenças qualitativas das coisas em termos de “quanto”? [...] arranca irreparavelmente a essência das coisas, sua individualidade, seu valor específico e sua incomparabilidade
Simmel (1976 p. 12) ainda diz que: “a oposição da cidade grande com o campo é a oposição entre o mais rápido e o mais lento, entre o habitual e o nunca habitual, devido a mudanças constantes de imagens, sons, entre outros”. Uma vez que o homem campestre não se preocupa com a necessidade de adquirir as coisas, mas o aquilo que é essencial para sua subsistência.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebeu-se, portanto, que Junqueiro mostra, através desta obra, o modo vida campestre, no sentido autentico prazeroso, onde as pessoas são capazes de viver em paz. Leva-nos também a refletir sobre o modo de vida da cidade, uma vida totalmente marcada pelas representações sociais. Onde o nome das pessoas é substituído pela profissão que exercem.
Contudo, pode-se considerar que Os Simples, uma das obras de Guerra Junqueiro mais consagradas e que constitui um ponto de viragem na sua produção literária. De modo que seus textos são marcados de reflexão da vida cotidiana do homem do campo.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Antônio Pimenta de. Guerra Junqueiro A SUA VIDA EM VIANA DO CASTELO, 2012.
COIMBRA, Leonardo, Guerra Junqueiro, Porto, Edição de A Renascença Portuguesa, 1923.
JUNQUEIRO, Abílio Manuel Guerra, Obras de Guerra Junqueiro (Poesia) – Os Simples, Porto, Lello & Irmão- Editores, s./d.,
STAROBISNKI, J. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo, São Paulo: Companhia das letras, 2011.
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio G. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976
NATÁRIO. Celeste A Situação de Portugal na Europa no final do século XIX e início do século XX: a Geração de 70. (Universidade do Porto – Porto - Portugal),2008
REIS. Carlos afirma em «Tema e Leitura Crítica», in Construção da Leitura, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1982, p. 43.
ROUSSEAU J. -J. Discurso sobre a Origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM, 2009. Tradução: Paulo Neves.
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